(FOLHAPRESS) – O Brasil tem pouco espaço de manobra para implementar medidas que resultem em arrecadação adicional, disse nesta terça-feira (19) o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
A declaração foi dada ao final de um ano em que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve apoio do Congresso Nacional para uma série de medidas na tentativa de impulsionar as receitas federais em 2024.
“Quando a gente olha o espaço nessa relação de troca entre crescimento e arrecadação, entre a possibilidade de corrigir o fiscal através da arrecadação, a gente vê que o Brasil tem menos espaço”, disse Campos Neto em debate promovido pelo jornal Correio Braziliense.
“A gente tem uma renda per capita relativamente baixa para uma carga fiscal que é relativamente alta. Então, mostra que tem pouco espaço de manobra em termos de arrecadação adicional”, acrescentou.
A excessiva dependência de receitas para conciliar o aumento real de gastos permitidos pelo novo arcabouço fiscal e as metas fiscais traçadas pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) tem sido alvo de críticas de agentes do mercado financeiro e também por membros do Congresso Nacional.
Para representantes desses grupos, há um limite do que é possível aprovar para elevar a arrecadação da União. Por outro lado, há cobranças para que o governo enfrente o tema dos gastos públicos.
Em sua apresentação, Campos Neto não fez referência a medidas específicas, mas disse que a incerteza em torno das fontes de arrecadação adicional para cumprir as metas fiscais estipuladas para 2024 em diante “é um pouco o que causa, vamos dizer assim, um pouco mais de nervosismo”.
“Se o país surpreender o crescimento para cima, tem o multiplicador que faz com que se arrecade mais. Mas se o Brasil não crescer a tal ponto de gerar essa arrecadação extra, de onde viria a receita adicional? Você pode sempre cortar despesa, que no Brasil é difícil de fazer, ou teria que ter medidas adicionais arrecadatórias”, afirmou.
Enquanto isso, a despesa primária total do governo central (que inclui Tesouro Nacional, Previdência e Banco Central) segue em alta. Em 2023, o gasto deve ter um crescimento real, acima da inflação, de 9,1%, de acordo com as estimativas de mercado. Em 2024, mesmo com o novo arcabouço fiscal, a alta real deve alcançar 3,7%.
Quando se expande a comparação para as despesas do governo geral, que inclui estados e municípios, o avanço real é de 13,8% em 2023 e de 1,7% em 2024. No consolidado do biênio, a alta é de 7,7%.
“Isso é bem acima da média do mundo emergente. Quando a gente olha a comparação do Brasil com a média da América Latina, a gente vê que o Brasil está bem acima no biênio 2023-2024. Quando a gente estica isso para 2027-2028, continua acima em todos os anos, mesmo cumprindo a meta, que é uma coisa que o mercado até acha difícil de acontecer”, observou Campos Neto.
O presidente do BC também ressaltou que o Brasil sai de um patamar mais alto de endividamento em 2023, na comparação com países como Chile, Peru, Colômbia e México. A trajetória da dívida também é mais inclinada, sinalizando uma tendência de alta, enquanto nas demais economias a expectativa é de estabilização ou redução.
“Mesmo com o arcabouço fiscal, a situação fiscal em termos de trajetória de dívida é um pouquinho pior”, disse.
Campos Neto acrescentou que, nesse contexto, expandir ainda mais a dívida brasileira para estimular a economia pode ser contraproducente.
“Obviamente isso aqui [trajetória de alta da dívida] é facilmente revertido se o crescimento começar a despontar. Agora, a gente tem que entender que o crescimento precisa ser um crescimento que gere eficiência, um crescimento que tenha mais fatores que estimulem o crescimento vindo do mundo privado. Fazer dívida para crescer não necessariamente é uma coisa que vai levar a um equilíbrio muito melhor lá na frente”, afirmou.
Apesar dessas considerações, o presidente do BC reafirmou que as análises sobre o cenário fiscal não têm uma relação mecânica com as decisões sobre a política de juros, uma mensagem já transmitida em diferentes comunicados da autoridade monetária.
Ele ainda observou que há uma “diferença grande” entre as metas do governo e a previsão dos mercados para o resultado das contas públicas, mas, mesmo nesse contexto, o “importante é perseverar”.
“A gente sabe que é difícil, acho que todo mundo sabe, inclusive hoje a expectativa de mercado não é que a gente vá atingir o [déficit] zero, mas é importante perseverar”, disse.
A realização de reformas, segundo ele, consegue “em parte” compensar a percepção ruim sobre as contas públicas. Por outro lado, ele apresentou uma série de gráficos para ilustrar as razões pelas quais o fator fiscal hoje é uma grande preocupação dos agentes econômicos.
No mesmo evento, o secretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães, defendeu a agenda de revisão de gastos, que vem sendo puxada pela pasta.
“Não basta um regime fiscal para ter controle da despesa. A gente tem que trabalhar por dentro, fazer a revisão daquilo que talvez não seja mais necessário”, disse.
O secretário argumentou que os resultados obtidos até dezembro de 2023 indicam uma situação melhor do que a imaginada há um ano, em dezembro de 2022, ainda durante a transição de governo. “Estamos melhores do que a situação que se esperava”, disse.
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