(FOLHAPRESS) – Perseguições que resultaram em mudança de escola, medo da família e exposição de detalhes íntimos nas redes sociais marcam a vida de uma adolescente de 15 anos, que vive em São Paulo, há um ano.
A reportagem teve acesso a prints e documentos que comprovam as denúncias. Desde que terminou um namoro, ela passou a ser vítima de ameaças, exposição na internet e alvo de perfis falsos. Sua família afirma que os conteúdos são alimentados por um ex-namorado.
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o crime de stalking (nome em inglês para perseguição), tipificado em 2021, cresceu mais de 30% no ano passado, assim como ameaça (16,5%) e violência psicológica (33,8%).
Em março, um levantamento realizado pela Folha de S.Paulo apontou que a cada hora nove mulheres denunciam o crime de stalking no Brasil. Na capital paulista, as principais vítimas são mulheres de 30 a 39 anos. De 2021 a 2023, porém, foram registradas 292 ocorrências envolvendo menores de 18 anos.
O pesadelo da jovem de 15 anos começou em outubro do ano passado, após o término do namoro com um menino da mesma idade. Hoje, um processo tramita no Tribunal de Justiça de São Paulo com objetivo de cessar as perseguições digitais.
A reportagem procurou o Ministério Público de São Paulo e o TJ-SP sobre o andamento das investigações, mas os órgãos afirmam que o caso está em segredo de Justiça, uma vez que envolve adolescentes.
A família relata que ela teve que mudar de escola após o ex começar a persegui-la. Porém, nada adiantou, pois os ataques começaram a acontecer por meio das redes sociais -já foram criados ao menos 12 perfis em diferentes redes sociais com afirmações e conversas forjadas sobre a garota.
A reportagem teve acesso ao link deles -maioria está fora do ar, após a família denunciar as contas.
O adolescente também descobriu o colégio onde a menina passou a estudar e começou a se aproximar dos novos colegas dela na tentativa de controlá-la. Parentes da vítima também começaram a receber ameaças, em mensagens por WhatsApp de números desconhecidos que citam seus CPFs e até endereços de locais onde estão.
Apesar de o caso não envolver divulgação de imagens íntimas, o ex publica fotos distorcidas da jovem e espalha boatos, como o de que ela teria uma infecção sexualmente transmissível.
Em sua rotina, a menina toma medidas de segurança, como não andar sozinha na rua e, quando está com amigos, pede que nenhuma foto em que ela apareça seja publicado nas redes sociais.
Para a advogada Talitha Camargo da Fonseca, que atua no caso da adolescente, há uma dificuldade da Justiça para tratar de casos cibernéticos que envolvem menores de 18 anos. “O uso da internet como arma por adolescentes tem que ser compreendido e levado a sério em uma investigação com relatórios precisos sobre como isso acontece e como ocorrem as violações. Se isso não acontece, somos levados à impunidade e a vítima continua sofrendo.”
Ana Claudia Cifali, doutora em ciências criminais e coordenadora jurídica do Instituto Alana, cita uma pesquisa realizada pela PUC-RS que demonstra que 38% das adolescentes sofreram com algum tipo de violência no namoro.
“A violência pode começar como psicológica, evoluir para um stalking e agravar até um feminicídio. É importante romper esse ciclo e reconhecer que é uma violência logo no início.”
Cifali também aponta despreparo das escolas para prevenir a violência digital.
A reportagem também conversou com o pai de outra garota, que vive na região metropolitana de São Paulo. Nesse caso, os ataques partem de colegas da escola.
Há um ano, segundo o pai, a jovem sofre com bullying. A menina sofria maus-tratos por parte da mãe, e o pai conseguiu a guarda dela aos cinco anos -a história de vida da adolescente é motivo de piada de colegas, que zombam dela nas redes, diz a família.
O pai relata que esteve na escola para pedir providências, mas nada adiantou. A família estuda entrar com uma ação contra os adolescentes que praticam as violências contra sua filha.
A menina chora constantemente, conta. A adolescente deve mudar de escola apenas no ano que vem e teme o retorno das aulas, agora em agosto.
O presidente Lula (PT) sancionou, em janeiro deste ano, uma lei que criminaliza bullying. O crime foi incluído no Código Penal, com pena de multa. No caso de cyberbullying, ocorrido na internet, também pode render até quatro anos de prisão.
Quando os autores são adolescentes, lembra Cifali, eles podem ser autuados por atos infracionais, que são equivalentes aos crimes do Código Penal. “O fato de se tratar de adolescentes não exime eles da responsabilidade de seus atos, pelo contrário.”
Ela diz que é papel também das redes sociais a responsabilidade de prevenir, mitigar e criar canais para que os conteúdos possam ser banidos e excluídos das redes.
“Crianças e adolescentes estão na fase crucial do desenvolvimento humano e os impactos de uma violência também são maiores. Por isso, precisam ser prioridade”, afirma ela.
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